30.12.08

O velho Agora

O tempo me arrastou daqui. Conheci outro mundo. Tudo quieto, parado. Ninguém se mexia, nem sorria. O estado inerte das coisas fez-se claro em minha tesa ignorância. Percebi o sentido do caminhar, do avançar, do sempre estar em movimento. Voltei e me pus a contar sobre o lado paralítico da nossa existência. Ninguém gostou, nem desgostou, continuaram a reclamar: "Por que não paramos o tempo? Por que tudo passa tão depressa?" Ora, congele-se e nem o frio sentirás, meu caro. Caminho porque meus pés afagam a terra e acariciam o teu caminho. Insuportável é transparecer estupidez e impaciência para andar sempre à frente. Aí, o tempo atropela, mata e finda. Ainda não chegamos ao fim graças a ti e a mim, sempre andando no compasso certo da eterna busca pela palavra perfeita.

No mais pessimista dos pensamentos, felizes os anos velhos.
No mais otimista, são velhos os anos felizes. Talvez nostálgico demais.

Um beijo para todos com muito carinho, respeito, justiça e poesia.
Sem isso, não somos e nem seremos.

Ser realista: só ser por si só não basta. Tem que ter algo mais. Uma serenidade palpável, um sorriso amável, um coração, um ser humano. Um novo tempo.

Feliz 2009!

22.12.08

Derreto-me invisível

Mergulhado, absorto em resplandecências nuas, quase esquecido naquela cena. Era só eu e mais ninguém num mundo cristalino, gelado por um instante e no outro confortavelmente anestesiado. Ela corria meus braços, meus cabelos, quase me afogava. Eu de certo que não a deixaria. Meus peitos ela acariciava, minha barriga, lambia. Tentava me seduzir da forma mais barata, enrugava-me.

Pairava algo novo naquela imensidão. Uma avidez insípida que cabia na palma da mão. Um soluço inodoro que transcorria as veias. Um suspiro incolor que transluzia o universo em nenhuma cor. O espaço invisível me tomava por completo. Era chegada a hora de partir, se dividir, se desgrudar. Por um instante, ela venceu. Eu não conseguia mais diferenciar o que era água e o que era eu.

16.12.08

G* era uma menina pura

Os riscos dos rabiscos que saíam daquelas mãos não eram apenas agruras grudadas sob os maléolos doridos. Emanavam um ar diferente, um traço eloqüente. Alguma coisa dizia que aquele era o dia da vingança, que a alma abriria as portas da justiça para a dócil menina.

G* era uma garota mágica, tinha o dom da exortação e a habilidade de diluir biscoitinhos em um copo de leite. Não que a habilidade lhe trouxesse benventuras ou troféus, mas o dom marcava o compasso certo do rumo que ela iria tomar para alcançar seu objetivo maior, que era dar cabo de quem lhe fizera outrora sofrer.

Começou a definir estratégias, traçar planos, arquitetar maldades. O primeiro foi o padre, que a obrigava a rezar de joelhos todo domingo. "Santo é o caralho", disse antes de arrancar-lhe a prece do peito e comer seu coração. Partiu para acabar com o vizinho. Esse era dono do apartamento onde ela morava com a mãe e queria mandá-las para a rua sem maiores motivos. "Na rua eu não moro, babaca!", soltou o verbo enquanto passava o fio da navalha na epiglote do velho. O terceiro foi o padeiro da esquina e, quanto mais matava, mais queria matar, acabar com o mal do mundo, com as intempéries do ser humano que atravancavam as relações puras.

Lá pela septuagésima vítima, ela descobriu que o inferno que a tomava se diluíra no último copo de leite e então resolveu voltar aos rabiscos e olhar estrelas caindo, sem interferências meta-eletrônicas. "Te vi escorada na janela. Era bela, era bela."

*G vivia num orfanato e tinha 12 anos inexistentes.

8.12.08

Reticências





Houve um tempo em que John Fuckin' Lennon cantava Imagine como se aquilo pudesse realmente acontecer. Houve outro tempo em que Ghandi revolucionava com paz. Em que a Terra era mais jocosa em sua amabilidade humana. Eram retratos de um mundo melhor, mas que ninguém sabia. Todos acreditavam que o melhor ainda estava por vir num otimista engano.
Quem não queria viver Woodstock, tomar ácido até se cagar, fazer amor com as cabras e os cabritos, ficar peladão o tempo inteiro, queimar um super-baseado e mostrar que aquilo era o que os soldados ianques de fraldão deveriam estar fazendo em vez de empunhar armas e tomar tiro.

O maior problema é que se perdeu a poesia do troço. Onde estão os novos Nerudas, Drummonds, Augustões, Fernandinhos Pessoinhas, Blakes, Quintanários, Vinicius, Us? Cadê a poesia, ia? Na casa da tua tia, ia? Cadê o amor, or? Tá na casa do Alaor? Alalaô, ôôô, ôôôr...

Hoje não temos mais cachaça de graça, nem dá-se o brioco com a mesma consciência mundana libertária de outrora. A Aids trupica na mente dos amantes, a guerra é diária em nossas cidades. O amor é efêmero, assim como a vida, que não tem mais tanto valor. Mata-se por um tênis, um pênis, por um trocado, um time equivocado.

Nasci no ano errado. Os anos 2000 e pum podem ser os últimos da nossa vã existência. Segundo o calendário maia, 2012 é o fim. É doloroso pra quem não é masoquista. Em 1978, eu deveria ter 35 anos. Em 1969, 26. Era o auge. Hoje, seria lenda.

Tocou-se o ébrio áureo do resplandecer
O tudo e o nada se amaram num desbunde paradoxal
Os punhos se abriram
As vozes se afagaram

Toda flor à sombra lembra o sol que se foi
Assim como a nostalgia do que não se viveu
Vive o sonho inexistente do ardor de um tempo não presente
E da tua luz que em mim nunca, e sempre, brilhou.

Até ontem o hoje era o amanhã de coisa boa qualquer
Hoje, amanhã não tem mais carnaval
Não tem chorinho, coisa e tal
Não tem mais bundalelê, eu e você

O que era já foi
Esqueça o que passou
Engula essa porra dessa dor
E respire reticências