Os riscos dos rabiscos que saíam daquelas mãos não eram apenas agruras grudadas sob os maléolos doridos. Emanavam um ar diferente, um traço eloqüente. Alguma coisa dizia que aquele era o dia da vingança, que a alma abriria as portas da justiça para a dócil menina.
G* era uma garota mágica, tinha o dom da exortação e a habilidade de diluir biscoitinhos em um copo de leite. Não que a habilidade lhe trouxesse benventuras ou troféus, mas o dom marcava o compasso certo do rumo que ela iria tomar para alcançar seu objetivo maior, que era dar cabo de quem lhe fizera outrora sofrer.
Começou a definir estratégias, traçar planos, arquitetar maldades. O primeiro foi o padre, que a obrigava a rezar de joelhos todo domingo. "Santo é o caralho", disse antes de arrancar-lhe a prece do peito e comer seu coração. Partiu para acabar com o vizinho. Esse era dono do apartamento onde ela morava com a mãe e queria mandá-las para a rua sem maiores motivos. "Na rua eu não moro, babaca!", soltou o verbo enquanto passava o fio da navalha na epiglote do velho. O terceiro foi o padeiro da esquina e, quanto mais matava, mais queria matar, acabar com o mal do mundo, com as intempéries do ser humano que atravancavam as relações puras.
Lá pela septuagésima vítima, ela descobriu que o inferno que a tomava se diluíra no último copo de leite e então resolveu voltar aos rabiscos e olhar estrelas caindo, sem interferências meta-eletrônicas. "Te vi escorada na janela. Era bela, era bela."
*G vivia num orfanato e tinha 12 anos inexistentes.
16.12.08
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7 comentários:
A desconstrução ordenada.
;)
Depois apague, por favor. És o primeiro ser a saber deste meu lapso blogal!
gosto da tua escritura. gostaria que tu lesse o que teu velho amigo escreve. cabeção! last chance:www.celeuma.blogdrive.com
apesar de não saber o que é "exortação", e muito menos saber como teu link foi enviado pra uma conta minha de e-mail que raramente acesso, posso dizer que gostei do que li.
pode ser, pode ser. o triste é que ainda ando por lá. então, são mais de cinco anos convivendo com pessoas muito patéticas e raras brilhantes.
teus textos me exortam.
aí tá certo? hehe.
Já fui G várias vezes em meus devaneios macabros. Te adoro.
G é o ponto de encontro das nossas trivialidades. Eu, você e G, tudo a ver. Beijinho com sabor de moranguinho.
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